João Trindade
(Jornalista, poeta, cronista e morador do bairro há 19 anos)
No longínquo ano de 2003, chega ao Bairro dos Estados um poeta e sonhador, que ama a vida, o amor, a sinceridade (este, talvez seu maior defeito), a política, as mulheres e a boa vida (no sentido real; não no que é empregado pejorativamente).
Embora tímido (apesar de não parecer), comecei a fazer amigos, conhecer lugares e me espantar com a tranquilidade e o clima aconchegante que reina no silêncio quase absoluto de algumas ruas.
Para meu deleite, fixei-me numa rua cujo nome é de um acadêmico da Academia Paraibana de Letras: Cônego Luiz Gonzaga de Oliveira, o que me dá, platonicamente, a esperança de um dia também pertencer àquela Casa.
Como é bom e encantador caminhar, leve e livremente, pelas ruas do meu bairro. A começar pelo Dede (não; nem eu e nem ninguém daqui chama Vila Olímpica), que foi alvo de inspiração para uma das mais belas e inspiradas crônicas minhas (“As Rosas no chão”), que está, inclusive, no meu recém-lançado livro: “O Estanho professor de Violão”, e parar, invariavelmente – é óbvio –, na Fazenda Boi Só, observar aquela casinha bela que, graças ao tombamento, continua preservada.
A outrora fazenda agora se chama Alphaville, cuja entrada, linda e contrastante com os contornos coloquiais da casinha, dá uma ideia a um só tempo estranha e agradável: o antigo e o moderno se fundem, numa arquitetura inimaginável, mas bonita. A visão e o contraste se realçam, ainda mais, à noite: aquela entrada que parece um “Campo de Aviação” (sim, não é aeroporto, como uma vez quis me “corrigir” alguém. Aeroporto é uma coisa; campo de aviação é outra).
Pois é… Ao olhar para a Fazenda Boi Só (sim, nós moradores não chamamos Alphaville, a não ser quando pegamos um aplicativo) voo na minha imaginação; lembro a capelinha e me torno, por uns breves instantes, religioso.
Minha rua fica rente à fazenda e acompanhei, com certa tristeza, a quase destruição dela para a construção do Alphaville. Fiz até um poema, que estará no meu próximo livro, a ser lançado em 05 de fevereiro de 2023, data de mais um aniversário meu:
RÉQUIEM PARA A FAZENDA BOI SÓ
(João Trindade)
Perdido entre poeira e máquinas
o boi está só.
Árvores que tombam;
cheiro de mal.
Barulho infernal.
Onde os garrotes, vacas, companheiros de vida?
Onde os jumentos, pássaros, mutucas?
Estão agora todos
sumidos no ar.
A gente que passa estranha
estranha a paisagem:
somente a casinha
e a velha capela
sem vela e altar.
Ao longe, o vento pia
e o passado muge.
Como se vê, a princípio houve tristeza, mas depois de adaptei e perdoei o progresso.
Pois é… O Bairro dos Estados me traz esses estados de felicidade e é com alegria, encantamento e ternura que o felicito agora, em setembro pelos 70 anos deste que já foi chamado por alguém como “o bairro mais charmoso da cidade”.
Eu acrescentaria:
E mais conquistador.
O Bairro dos Estados conquista, enlaça, abraça, abriga e nos faz sonhar.