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Juros e Crédito: O custo do dinheiro em tempos e inflação elevada

Por Wellington Sena

 

A relação entre juros, crédito e inflação é um dos aspectos mais complexos da política econômica e impacta diretamente a vida das pessoas, das empresas e do próprio governo. Quando a inflação se eleva, os bancos centrais utilizam a alta dos juros como principal ferramenta para conter a desvalorização da moeda e controlar a escalada de preços. No entanto, essa estratégia tem um custo: o encarecimento do crédito, a retração do consumo e a desaceleração do crescimento econômico. Em tempos de inflação elevada, o custo do dinheiro sobe consideravelmente, dificultando o acesso a financiamentos e desestimulando investimentos produtivos.

A taxa de juros básica, que nos Estados Unidos é a Fed Funds Rate, na zona do euro é a Taxa Refi, e no Brasil é a Selic, é um dos principais instrumentos utilizados para regular a economia. Quando um banco central aumenta essa taxa, os bancos comerciais passam a oferecer crédito mais caro, reduzindo a circulação de dinheiro e desestimulando o consumo e os investimentos. Esse efeito pode ser observado em períodos de alta inflacionária, quando a necessidade de conter o avanço dos preços leva a aumentos sucessivos nas taxas de juros. Em 2022, por exemplo, o Federal Reserve (FED) elevou os juros de 0,25% para 5,25%, em uma tentativa agressiva de controlar a inflação que atingiu 9,1%, a maior em 40 anos.

O Banco Central do Brasil (BCB) seguiu um caminho semelhante para combater a inflação que se acelerou entre 2021 e 2022, impulsionada pelo aumento dos combustíveis, dos alimentos e pelo impacto da pandemia de COVID-19. A Selic, que estava em 2% ao ano em 2020, foi elevada gradativamente até atingir 13,75% ao ano em 2022, uma das taxas mais altas do mundo. Esse movimento teve consequências diretas para o custo do crédito, tornando mais caro o financiamento de bens duráveis, como automóveis e imóveis, além de dificultar o acesso a empréstimos para empresas e consumidores.

O impacto dos juros elevados no mercado de crédito é profundo. Quando a taxa de juros sobe, os bancos repassam esse custo aos clientes, resultando em um aumento expressivo nos encargos financeiros. O crédito ao consumidor, especialmente em modalidades como o cartão de crédito e o cheque especial, torna-se proibitivo. No Brasil, onde os juros já são historicamente altos, a taxa média do rotativo do cartão de crédito superou 400% ao ano em 2023, o que significa que uma dívida que não é quitada rapidamente pode se multiplicar de forma exponencial.

Além do crédito ao consumidor, a alta dos juros também afeta diretamente os financiamentos imobiliários e o setor produtivo. Para quem deseja comprar uma casa, o aumento das taxas reduz a capacidade de financiamento, encarecendo as parcelas e tornando o sonho da casa própria mais distante. No setor empresarial, especialmente para pequenas e médias empresas, o crédito mais caro reduz a capacidade de expansão, limita a geração de empregos e afeta a competitividade do setor produtivo. Com a retração da demanda por empréstimos, o crescimento econômico desacelera, tornando-se um efeito colateral do combate à inflação.

Os juros elevados também têm impactos sobre a dívida pública. Como o governo é um grande tomador de crédito, sempre que os juros sobem, o custo do endividamento aumenta. No caso do Brasil, onde a dívida pública já é alta, o aumento da Selic significa que o governo precisa gastar mais para pagar juros da dívida, reduzindo a capacidade de investir em infraestrutura, saúde e educação. Esse cenário muitas vezes leva a cortes orçamentários ou à necessidade de mais arrecadação via impostos, impactando a economia de forma negativa.

A influência dos juros na inflação de demanda é um dos principais fatores que justificam o uso desse instrumento pelos bancos centrais. Quando o crédito se torna caro e escasso, as pessoas e empresas reduzem seu consumo, o que, teoricamente, diminui a pressão sobre os preços. No entanto, em economias onde a inflação é impulsionada principalmente por fatores externos, como a alta nos preços das commodities e a desvalorização cambial, o aumento dos juros pode ter um efeito limitado no controle da inflação, ao mesmo tempo em que agrava os problemas econômicos.

No longo prazo, a relação entre juros altos e recessão é um dos dilemas da política monetária. Se um banco central mantiver as taxas elevadas por um período prolongado, a economia pode entrar em recessão, com queda no consumo, aumento do desemprego e desaceleração da produção industrial. Esse foi o caso dos Estados Unidos na década de 1980, quando o FED, sob o comando de Paul Volcker, elevou os juros para 20% ao ano para conter a inflação, o que resultou em uma recessão temporária. No entanto, essa estratégia acabou sendo eficaz para estabilizar a economia e recuperar a confiança na moeda.

A elevação dos juros também afeta o mercado de câmbio, pois torna os investimentos no país mais atrativos para estrangeiros, fortalecendo a moeda local. No Brasil, o aumento da Selic geralmente atrai fluxos de capital externo, valorizando o real frente ao dólar. No entanto, esse efeito nem sempre é sustentável, pois o mercado também reage às incertezas políticas e fiscais. Quando há desconfiança sobre a capacidade do governo de controlar as contas públicas, mesmo juros elevados podem não ser suficientes para segurar a fuga de capitais.

Diante desse cenário, a busca pelo equilíbrio entre juros e crescimento econômico se torna um dos maiores desafios da política monetária. O uso dos juros como instrumento de controle inflacionário precisa ser cuidadosamente calibrado para evitar impactos excessivamente negativos sobre o crédito e o investimento. Em alguns casos, os governos recorrem a políticas complementares, como estímulos fiscais ou subsídios a setores estratégicos, para mitigar os efeitos adversos de um ciclo de juros elevados.

Para o consumidor, a melhor forma de enfrentar um cenário de juros altos e crédito restrito é evitar o endividamento desnecessário, buscar renegociar taxas de juros e priorizar investimentos que ofereçam proteção contra a inflação. No entanto, para a economia como um todo, a solução passa por uma gestão fiscal responsável, que permita manter a inflação sob controle sem recorrer a aumentos excessivos da taxa de juros. O desafio dos bancos centrais é garantir que o combate à inflação não leve a um desaquecimento econômico profundo, encontrando o equilíbrio necessário para manter a economia em uma trajetória sustentável.