Prof. Wellington Sena
A economia contemporânea está intrinsecamente ligada à vigilância. Dados pessoais, comportamentos de consumo e preferências individuais são os novos alicerces sobre os quais se constrói o mercado global. Enquanto governos e corporações disputam o controle sobre essas informações, a linha entre desenvolvimento econômico e invasão de privacidade se torna cada vez mais tênue. Essa dinâmica traz benefícios e preocupações: por um lado, a vigilância impulsiona a personalização e a eficiência econômica; por outro, compromete direitos fundamentais e perpetua desigualdades.
No cerne desse sistema está o uso de tecnologias de vigilância para coletar, analisar e monetizar dados. Grandes corporações como Google, Amazon e Meta baseiam seus modelos de negócios na extração de informações pessoais para direcionar publicidade, moldar comportamentos de compra e prever tendências de mercado. Estima-se que, em 2022, a economia global de dados tenha movimentado mais de US$ 200 bilhões, evidenciando a centralidade da vigilância no capitalismo digital. Esse modelo, conhecido como capitalismo de vigilância, reformula as regras econômicas tradicionais, substituindo recursos tangíveis por fluxos de informação como principal insumo.
Governos também desempenham um papel significativo nesse cenário. Além de usarem tecnologias de vigilância para monitorar atividades econômicas e prevenir crimes financeiros, muitos Estados têm investido em sistemas que lhes permitem rastrear o consumo de seus cidadãos. Na China, o Sistema de Crédito Social não apenas regula comportamentos sociais, mas também influencia decisões econômicas, como concessão de empréstimos e acesso a serviços financeiros. Esse nível de monitoramento levanta questões éticas sobre o impacto da vigilância na liberdade individual e na justiça econômica.
O monitoramento de consumo transformou-se em uma prática central para a publicidade dirigida. Anúncios personalizados, embora convenientes, são construídos sobre uma base de vigilância que desconsidera, em muitos casos, o consentimento informado dos consumidores. Empresas utilizam algoritmos para analisar cada clique, compra e interação online, criando perfis detalhados que alimentam sistemas de recomendação. Essa abordagem é particularmente lucrativa, com a publicidade digital representando mais de 60% dos gastos globais em anúncios em 2021. Contudo, o poder concentrado nas mãos de poucas corporações de tecnologia tem gerado preocupações sobre monopólios e abuso de poder econômico.
As criptomoedas emergem como uma alternativa ao controle centralizado, prometendo anonimato e descentralização financeira. No entanto, a vigilância governamental também está se expandindo nesse setor. Países como os Estados Unidos e o Reino Unido têm aumentado os regulamentos sobre transações em criptomoedas, justificando as medidas como formas de combater a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo. Em contrapartida, outras nações, como a China, proibiram totalmente as transações com criptomoedas enquanto desenvolvem suas próprias moedas digitais soberanas, como o yuan digital, que oferece um nível sem precedentes de rastreamento financeiro.
Além disso, a vigilância econômica exacerba desigualdades globais. Países com maior capacidade tecnológica, como os membros do G7, utilizam seus avanços para dominar mercados emergentes, enquanto nações em desenvolvimento enfrentam barreiras para competir no mercado digital. O controle de dados por corporações multinacionais frequentemente exclui economias menores dos benefícios do capitalismo digital, reforçando dependências econômicas históricas.
Paradoxalmente, o mesmo sistema de vigilância que sustenta a economia global também fragiliza a confiança dos consumidores. Uma pesquisa da Pew Research Center em 2021 revelou que 79% dos entrevistados estavam preocupados com a forma como seus dados eram utilizados por empresas. Essa desconfiança pode levar a uma reação contrária, onde consumidores optam por serviços e produtos que garantam maior privacidade, como navegadores seguros e sistemas de pagamento anônimos.
O impacto da vigilância econômica não é limitado ao mercado digital. Em setores como o varejo físico, o monitoramento se expandiu com o uso de câmeras inteligentes e sensores que rastreiam os movimentos dos consumidores dentro das lojas. Esses dados são utilizados para otimizar a experiência de compra, mas também levantam preocupações sobre o uso não consentido de informações pessoais. No Brasil, grandes redes varejistas têm adotado tecnologias de reconhecimento facial para identificar padrões de consumo e até prevenir furtos, o que gerou debates acalorados sobre privacidade e discriminação.
A vigilância econômica também se manifesta no mercado de trabalho. Empresas utilizam softwares para monitorar a produtividade de seus funcionários, medir interações e até avaliar o desempenho com base em métricas digitais. Embora essas ferramentas possam aumentar a eficiência, também corroem a confiança entre empregadores e empregados, além de criar um ambiente de trabalho excessivamente controlado.
Em nível global, a vigilância econômica molda as políticas comerciais e diplomáticas. A guerra tecnológica entre Estados Unidos e China exemplifica como o controle sobre dados e tecnologias de vigilância se tornou um novo campo de batalha geopolítico. A disputa por mercados, padrões tecnológicos e influência econômica está diretamente ligada à capacidade de cada país de monitorar e alavancar informações estratégicas.
Diante desse cenário, surgem movimentos para regulamentar o uso de tecnologias de vigilância na economia. Organizações como a ONU e a OCDE têm promovido debates sobre ética e transparência no uso de dados, enquanto legislações nacionais, como o GDPR, buscam proteger consumidores de abusos corporativos. No entanto, a eficácia dessas iniciativas depende da cooperação internacional e da disposição de governos e empresas em adotar práticas mais transparentes.
Por fim, a relação entre economia e vigilância é uma das mais complexas e influentes dinâmicas do século XXI. Enquanto a vigilância impulsiona a inovação e a eficiência econômica, ela também desafia valores fundamentais, como privacidade, equidade e liberdade. O futuro desse equilíbrio dependerá da capacidade da sociedade de estabelecer limites éticos e legais que garantam que a busca pelo progresso econômico não ocorra à custa dos direitos humanos.