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Dinheiro é Dívida: O sistema financeiro e seus efeitos no Brasil

Por Wellington Sena

 

No sistema financeiro moderno, a afirmação de que “dinheiro é dívida” expõe uma verdade central: quase toda moeda que circula na economia tem origem em uma dívida, especialmente em países como o Brasil, onde a criação de crédito e a política monetária seguem uma estrutura rígida controlada pelo Banco Central. Esse modelo, complexo e muitas vezes pouco compreendido, coloca tanto governos quanto indivíduos em uma constante roda de endividamento. A base do sistema financeiro brasileiro, como em muitos outros países, é a criação de moeda por meio de crédito concedido pelos bancos.

No momento em que um banco aprova um empréstimo, ele cria “moeda escritural”, ou seja, dinheiro que não existia antes, mas que passa a circular pela economia. Dessa forma, cada real em circulação é, em última instância, uma dívida que precisa ser quitada, com juros, ao sistema bancário. Esse conceito, apesar de inicialmente abstrato, traz implicações significativas para a economia e a sociedade, como veremos a seguir.

O Papel do Banco Central e as Taxas de Juros

No Brasil, o Banco Central atua como guardião desse processo, determinando a quantidade de moeda disponível no sistema e influenciando as taxas de juros através da Selic, que serve como referência para todos os demais créditos. Quando o Banco Central aumenta a Selic, o crédito encarece, o que tem efeito direto na inflação e no consumo. Por outro lado, quando a taxa é reduzida, o custo dos empréstimos diminui, incentivando o consumo e o investimento. Esse controle, no entanto, também gera um efeito colateral importante: à medida que os juros diminuem e o crédito aumenta, mais pessoas e empresas se endividam, colocando mais “dinheiro-dívida” em circulação.

Esse ciclo afeta diretamente o endividamento público e privado, além de criar um ambiente econômico no qual o pagamento de juros se torna uma das maiores despesas, tanto para o governo quanto para as famílias brasileiras. Nos últimos anos, a alta taxa de juros tem sido uma das principais queixas de empresários e consumidores, pois, além de encarecer o crédito, aumenta o custo da dívida pública, drenando recursos que poderiam ser investidos em áreas como saúde e educação.

O Ciclo de Endividamento das Famílias e Empresas

O impacto do sistema de dinheiro como dívida não se restringe aos bancos e ao governo; ele se estende para o cotidiano das famílias e empresas. No Brasil, o aumento do custo de vida e a redução do poder de compra impulsionaram o endividamento das famílias. Para adquirir bens de consumo, como eletrodomésticos, automóveis e imóveis, muitas vezes os brasileiros recorrem ao crédito, assumindo dívidas de longo prazo. Ao mesmo tempo, empresas que buscam expandir suas operações precisam de capital e também recorrem a empréstimos. Esse ciclo cria uma dependência do crédito que pode se tornar insustentável, especialmente em momentos de crise econômica.

Com a alta dos juros, que aumenta os custos dos financiamentos, muitas famílias e empresas enfrentam dificuldades para quitar suas dívidas, gerando um ciclo de endividamento contínuo. No último levantamento divulgado pelo Banco Central, o endividamento das famílias brasileiras bateu recorde, ultrapassando 50% de comprometimento da renda, o que limita o consumo e impacta negativamente a economia. Com menos consumo, as empresas vendem menos, cortam empregos e aumentam os preços, criando um círculo vicioso que pode levar a uma recessão.

A Dívida Pública e Seus Impactos Econômicos

O governo brasileiro também opera dentro desse sistema de dívida, e, para financiar suas atividades, recorre à emissão de títulos da dívida pública. Esses títulos são adquiridos pelos bancos e outros investidores, que, em troca, recebem juros anuais até o vencimento do título. Esse processo, embora necessário para manter a máquina pública funcionando, também cria uma carga financeira significativa. Atualmente, o pagamento de juros da dívida pública é uma das maiores despesas do orçamento brasileiro, superando investimentos em áreas essenciais como educação, saúde e infraestrutura.

Em 2023, o Brasil destinou mais de 40% do orçamento ao pagamento da dívida pública e seus juros. Esse montante representa uma drenagem de recursos públicos, que se tornam lucros para investidores e instituições financeiras. O elevado custo da dívida pública é um dos fatores que limitam a capacidade do governo de realizar investimentos sociais e econômicos que poderiam impulsionar o desenvolvimento do país e reduzir a desigualdade.

Perspectivas e Alternativas para o Sistema Monetário Brasileiro

Diante dos desafios impostos por um sistema baseado em dívida, economistas e especialistas discutem alternativas que poderiam oferecer maior estabilidade e sustentabilidade ao sistema financeiro. Uma das alternativas em análise pelo Banco Central é a criação de uma moeda digital, o Drex, que poderia funcionar como uma ferramenta de inclusão financeira e reduzir a dependência do crédito bancário tradicional. Além disso, a possibilidade de o governo emitir moeda diretamente, sem recorrer aos bancos, é uma proposta que circula entre especialistas que defendem a reforma do sistema monetário.

Essa emissão direta permitiria a criação de moeda sem a necessidade de dívidas, reduzindo o ciclo de endividamento e aumentando a disponibilidade de recursos para investimentos. No entanto, essas propostas enfrentam resistência, especialmente das grandes instituições financeiras, que lucram com o sistema atual. Além disso, a implementação de tais mudanças exigiria uma profunda reestruturação da economia e uma nova abordagem política em relação à criação de moeda.

A Necessidade de Reavaliar o Sistema de Dinheiro como Dívida

O modelo financeiro em que o dinheiro é criado como dívida levanta questionamentos fundamentais sobre a sustentabilidade do sistema econômico. No Brasil, esse modelo gera uma dependência crescente do crédito, tanto para o setor público quanto para o privado, limitando o potencial de crescimento e desenvolvimento social. A dívida crescente das famílias, empresas e do próprio governo cria um ciclo difícil de ser interrompido, especialmente em um contexto de juros altos e inflação.

Ao explorar alternativas como a moeda digital e a emissão direta de moeda, o país poderia se libertar da dependência do endividamento e abrir espaço para uma economia mais justa e equilibrada. No entanto, qualquer mudança exigirá um esforço conjunto entre governo, instituições financeiras e sociedade, para que o sistema monetário seja ajustado às necessidades da população, e não ao lucro das instituições financeiras.

 

Fontes:

• Banco Central do Brasil. “Sistema Financeiro Nacional e suas funções”. Disponível em: https://www.bcb.gov.br.

• Graeber, David. “Debt: The First 5,000 Years”. Brooklyn: Melville House, 2011. – Um estudo aprofundado sobre as origens e implicações do conceito de dívida ao longo da história.

• Brown, Ellen Hodgson. “Web of Debt: The Shocking Truth About Our Money System and How We Can Break Free”. Baton Rouge: Third Millennium Press, 2007. – Análise do sistema monetário com foco nas consequências do endividamento público.

• Marcondes, Reynaldo, e Silva, Ivan. “Economia Brasileira Contemporânea”. São Paulo: Editora Atlas, 2018. – Contextualização do sistema financeiro brasileiro e a influência das políticas do Banco Central.

• Banco Central do Brasil. Relatório de Estabilidade Financeira, 2023. – Relatórios anuais com dados sobre o endividamento das famílias e a dívida pública. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/publicacoes/ref.