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Cotas Raciais em concursos públicos: Avanços, desafios e controvérsias

Prof Wellington Sena

 

Em 2024, o Brasil deu um passo significativo na promoção da diversidade racial no serviço público ao ampliar as cotas raciais em concursos públicos federais. A medida, que eleva de 20% para 30% a reserva de vagas para negros, indígenas e quilombolas, reflete um esforço contínuo para corrigir desigualdades históricas e promover a inclusão. Embora a decisão tenha sido amplamente elogiada, também reacendeu debates sobre os limites e a eficácia das políticas afirmativas, dividindo opiniões entre apoiadores e críticos.

A implementação de cotas raciais no Brasil teve início em 2014, com a sanção da Lei nº 12.990, que reservava 20% das vagas em concursos públicos federais para candidatos negros. A lei foi concebida como uma forma de ampliar a participação de grupos historicamente excluídos e aumentar a representatividade no serviço público. Antes disso, a composição das instituições públicas refletia principalmente a elite branca, um reflexo das desigualdades estruturais que marcam a história do país.

A ampliação das cotas para 30%, sancionada pelo Senado em 2024, representa um avanço importante, incluindo, pela primeira vez, indígenas e quilombolas no sistema. Essa mudança sinaliza um reconhecimento do Estado das desigualdades específicas enfrentadas por esses grupos, ampliando a abrangência da política afirmativa. O novo percentual busca corrigir não apenas disparidades raciais, mas também sociais, abrindo espaço para que populações marginalizadas tenham acesso a cargos estratégicos e bem remunerados no setor público.

A necessidade de ações afirmativas como as cotas é respaldada por dados robustos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2021, a taxa de informalidade entre trabalhadores brancos era de 32%, enquanto alcançava 43% entre pretos e 47% entre pardos. Essa diferença também é evidente nos rendimentos médios: trabalhadores brancos ganhavam, em média, quase o dobro em comparação aos trabalhadores negros.

O impacto das cotas também pode ser observado no aumento da participação de negros em concursos públicos. No Concurso Público Nacional Unificado de 2024, dos 2,144 milhões de inscritos, 420.793 se declararam aptos às cotas raciais, um número que demonstra a relevância e a procura por essa política. Além de garantir o acesso de populações marginalizadas a empregos formais e estáveis, as cotas também têm um efeito simbólico importante, promovendo o sentimento de inclusão e pertencimento.

Argumentos a Favor e Contra as Cotas Raciais

Favoráveis

• Correção de Desigualdades Históricas: As cotas raciais são vistas como uma ferramenta essencial para reparar os impactos de séculos de exclusão e discriminação. A escravidão e a falta de políticas de integração pós-abolição colocaram negros em uma posição de extrema desvantagem social e econômica. As cotas buscam equilibrar essas desigualdades, oferecendo oportunidades reais de ascensão social.

• Diversidade no Serviço Público: A inclusão de diferentes grupos étnicos enriquece o ambiente institucional. Servidores de origens diversas trazem perspectivas variadas, que contribuem para uma formulação mais inclusiva e eficaz de políticas públicas, além de melhorar a qualidade do atendimento à população, que é igualmente diversa.

Contrários

• Questionamentos sobre Meritocracia: Um dos principais argumentos contra as cotas é que elas poderiam comprometer a meritocracia, priorizando critérios raciais em detrimento do desempenho individual. Críticos defendem que as vagas devem ser conquistadas exclusivamente com base na qualificação e no esforço.

• Possível Estigmatização: Beneficiários das cotas frequentemente enfrentam o preconceito de serem vistos como menos qualificados, mesmo quando seu desempenho iguala ou supera o de outros candidatos. Essa percepção pode gerar um ambiente de trabalho hostil e prejudicar a integração dos cotistas nas instituições públicas.

As políticas de cotas raciais no Brasil não apenas se alinham com tendências globais, mas também oferecem um exemplo significativo de como ações afirmativas podem ser adaptadas a contextos sociais específicos. Em países como os Estados Unidos, Índia e África do Sul, iniciativas semelhantes demonstraram que a inclusão de grupos historicamente marginalizados em espaços estratégicos promove benefícios sociais, econômicos e culturais. No entanto, esses exemplos internacionais também apontam os desafios de equilibrar as cotas com outras políticas estruturais.

Nos Estados Unidos, as ações afirmativas tiveram um impacto significativo no acesso de minorias às universidades e ao mercado de trabalho desde a década de 1960. Contudo, decisões recentes da Suprema Corte limitaram o uso de critérios raciais em admissões universitárias, gerando debates sobre como promover a diversidade sem comprometer a meritocracia. Essa mudança destaca a necessidade de políticas afirmativas evoluírem continuamente para se ajustarem às mudanças sociais e políticas. O Brasil, ao ampliar suas cotas em 2024, mostra um caminho oposto, reforçando seu compromisso com a inclusão racial.

Na África do Sul, as cotas foram essenciais para corrigir os danos do apartheid. A Lei de Igualdade no Emprego, por exemplo, exige que empresas e instituições públicas priorizem a contratação de negros em posições estratégicas. Apesar das críticas e da resistência de alguns setores, as ações afirmativas sul-africanas ajudaram a criar uma elite negra e ampliar o acesso de populações marginalizadas a oportunidades educacionais e profissionais. Contudo, a persistência da desigualdade econômica mostra que políticas afirmativas precisam ser complementadas por reformas estruturais mais amplas.

O Brasil compartilha desafios semelhantes aos enfrentados por esses países. Assim como nos Estados Unidos e na África do Sul, as cotas raciais têm sido criticadas como soluções paliativas que não enfrentam as raízes das desigualdades. No entanto, é importante reconhecer que, enquanto as disparidades raciais persistirem, essas políticas continuarão sendo ferramentas indispensáveis para promover a equidade. A experiência global ensina que as ações afirmativas são mais eficazes quando combinadas com investimentos em educação, capacitação e inclusão econômica.

Além de seus impactos práticos, as cotas raciais têm um importante efeito simbólico, tanto no Brasil quanto no exterior. Elas representam um reconhecimento explícito das desigualdades históricas e do compromisso em combatê-las. Em uma sociedade marcada por um racismo estrutural ainda muitas vezes negado, como a brasileira, as cotas afirmam que o Estado está disposto a corrigir as injustiças do passado e construir um futuro mais inclusivo.

Refletindo sobre o futuro, o debate sobre as cotas deve ir além das questões técnicas e focar nos valores que elas representam. A inclusão de indígenas e quilombolas no sistema de cotas em 2024 reforça a necessidade de um olhar mais abrangente sobre as desigualdades, considerando não apenas a cor da pele, mas também o contexto cultural e territorial. Essa ampliação reflete um avanço, mas também exige um monitoramento cuidadoso para garantir que esses grupos realmente se beneficiem da política.

O sucesso das cotas no Brasil dependerá de sua integração com outras políticas públicas. Ações afirmativas não devem ser vistas como soluções isoladas, mas como parte de um conjunto de estratégias para reduzir desigualdades. Investimentos em educação básica de qualidade, programas de capacitação e políticas de combate ao racismo institucional são complementares às cotas e podem amplificar seus resultados. Além disso, é essencial envolver a sociedade civil, organizações não governamentais e o setor privado nesse esforço conjunto.

Por fim, as cotas raciais no Brasil não são apenas uma política pública; elas são uma declaração de que a inclusão é um valor fundamental na construção de uma sociedade mais justa. Apesar das críticas e dos desafios, seu impacto já transformou a vida de milhares de pessoas e ampliou o acesso de populações historicamente excluídas ao serviço público. O futuro das cotas deve ser guiado pela reflexão contínua sobre sua eficácia, pelo diálogo com as experiências internacionais e pelo compromisso com um Brasil onde a diversidade não seja apenas uma característica, mas um pilar de sua identidade.