Prof. Wellington Sena
A Receita Federal do Brasil, em sua incessante busca por combater a sonegação fiscal e a lavagem de dinheiro, acaba de lançar uma nova e poderosa arma em seu arsenal de fiscalização: a Instrução Normativa RFB nº 2219/2024. Essa normativa, que já está em vigor desde 1º de janeiro de 2025, amplia significativamente o escopo de monitoramento das operações financeiras dos cidadãos brasileiros, abrangendo desde contas bancárias e investimentos até as populares transações via Pix.
A IN 2219 determina que instituições financeiras, como bancos e corretoras, e de pagamento, como as fintechs que gerenciam carteiras digitais, passem a fornecer à Receita Federal informações detalhadas sobre as movimentações financeiras de seus clientes. Essa mudança representa um salto significativo na capacidade do Fisco de acompanhar as transações e identificar possíveis irregularidades.
Entre as informações a serem declaradas, destacam-se:
• Saldo em contas no último dia útil do ano;
• Movimentações mensais, incluindo depósitos, saques e transferências;
• Rendimentos de aplicações financeiras;
• Aquisições de moeda estrangeira;
• Operações com criptomoedas.
No que tange ao Pix, a grande vedete do sistema de pagamentos instantâneos brasileiro, a Receita Federal esclarece que não haverá taxação sobre as transações. Entretanto, a obrigatoriedade de declaração de informações sobre transações acima de R$ 5.000,00 para pessoas físicas e R$ 15.000,00 para pessoas jurídicas acendeu um alerta na sociedade, que questiona a efetividade da medida no combate aos crimes financeiros e a sua real finalidade.
Especialistas em direito tributário e defensores da privacidade apontam para o risco de uma burocratização excessiva tanto para as instituições financeiras quanto para a própria Receita Federal, sem que isso garanta resultados concretos no combate à sonegação e à lavagem de dinheiro. Além disso, a falta de transparência sobre como essas informações serão utilizadas e protegidas pela Receita gera apreensão e desconfiança nos cidadãos.
Afinal, quem garante que esses dados não serão utilizados para outros fins, como a elaboração de perfis de consumo e o direcionamento de ações de marketing? A ausência de mecanismos claros de proteção à privacidade e o histórico de vazamentos de dados no Brasil contribuem para aumentar a insegurança da população.
Outro ponto que causa preocupação é a possibilidade de fishing e golpes. Criminosos podem se aproveitar da novidade para enganar pessoas, solicitando dados confidenciais em nome da Receita Federal. É fundamental que a população esteja atenta e desconfie de qualquer solicitação suspeita, lembrando que a Receita não entra em contato por telefone ou e-mail para pedir informações fiscais.
A Receita Federal, por sua vez, defende a medida como essencial para modernizar a fiscalização e adaptá-la à realidade das transações financeiras digitais. Segundo o órgão, a IN 2219 permitirá cruzar informações de diferentes fontes, identificando inconsistências e padrões suspeitos que possam indicar sonegação ou lavagem de dinheiro.
No entanto, a falta de diálogo com a sociedade e a ausência de um debate amplo sobre os impactos da medida na privacidade dos cidadãos geram um clima de incerteza e desconfiança. É preciso que a Receita Federal seja mais transparente em relação aos seus métodos e objetivos, e que a sociedade se mobilize para defender seus direitos e garantir que a intensificação do monitoramento financeiro não se transforme em uma ferramenta de vigilância intrusiva e abusiva.
Em suma, a Instrução Normativa RFB nº 2219 representa um marco na relação entre o Estado e os cidadãos em matéria de fiscalização financeira. A digitalização das transações e a intensificação do monitoramento impõem novos desafios para a garantia da privacidade e da liberdade individual. É essencial que a sociedade esteja atenta e participe ativamente do debate sobre os limites da atuação do Estado nesse novo cenário.
A efetividade da nova medida dependerá não apenas da sua aplicação rigorosa, mas também da capacidade da Receita Federal de garantir a transparência no uso das informações e a proteção da privacidade dos cidadãos. A falta de clareza nesses pontos pode minar a confiança na instituição e gerar questionamentos sobre a legitimidade da intensificação do monitoramento financeiro.
A nova era do monitoramento financeiro exige um debate amplo e democrático sobre os limites da atuação do Estado e a garantia dos direitos individuais. A Instrução Normativa RFB nº 2219 é um ponto de partida para essa discussão, que deve envolver toda a sociedade na busca por um equilíbrio entre a necessidade de fiscalização e o respeito à privacidade.