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A Soberba no poder

Por Wellington Sena

 

“O orgulho precede a destruição, e a arrogância precede a queda.” — Provérbios 16:18

O poder, quando mal compreendido e mal exercido, age como um catalisador que desperta as falhas mais profundas da natureza humana. Entre os sete pecados capitais, a soberba assume papel de destaque na política, pois emerge sorrateiramente à medida que a autoridade se consolida. Desde tempos imemoriais, a história está repleta de líderes que sucumbiram à arrogância, à autopercepção de superioridade e à crença de serem intocáveis. César Augusto, Luís XIV, Napoleão Bonaparte e tantos outros ilustram como a soberba conduz à alienação, ao isolamento e, inevitavelmente, à queda. Não é por acaso que o livro de Provérbios 16:18 afirma com precisão: “O orgulho precede a destruição, e a arrogância precede a queda”.

A política, como campo de disputa por poder e influência, cria o cenário ideal para que a soberba floresça. Líderes, muitas vezes iniciando suas trajetórias com discursos de humildade e propósito coletivo, tornam-se vítimas do próprio ego. Esse sentimento de superioridade, alimentado pelo círculo de bajuladores e pelas vitórias políticas, transforma a imagem de liderança em uma autocracia velada, onde as vozes contrárias são ignoradas ou silenciadas. É um processo gradativo, quase imperceptível no início, mas que gera uma erosão ética no governante. A soberba elimina a capacidade de ouvir, a vontade de aprender e o compromisso com o diálogo, pilares essenciais para uma administração equilibrada e democrática.

Ao longo da história, regimes autoritários e democracias fragilizadas foram vítimas diretas da soberba de seus líderes. Adolf Hitler, ao se julgar infalível, ignorou as evidências e os conselhos de generais experientes, conduzindo a Alemanha à ruína na Segunda Guerra Mundial. Sua crença cega na própria invencibilidade levou a decisões irracionais, como a invasão da Rússia em 1941, que marcou o início de sua derrota. Em uma escala mais recente, vemos o mesmo padrão de comportamento em figuras políticas contemporâneas, que, ao se isolarem em bolhas de poder, perdem o contato com a realidade e com os problemas reais da população.

Além do isolamento, a soberba cria um fenômeno ainda mais perigoso: a impunidade moral. Líderes que se julgam acima das leis passam a agir sem medo das consequências. Escândalos de corrupção, abusos de poder e violações de direitos se tornam recorrentes. Esse comportamento, quando não contido, desencadeia uma crise de governabilidade e destrói a confiança pública nas instituições. Um estudo da Transparência Internacional revela que países com líderes autoritários ou dominados pela soberba apresentam níveis de corrupção até 40% maiores em comparação a nações com políticas transparentes e participativas.

A soberba, porém, não se restringe às esferas de comando. Ela reflete diretamente nas políticas implementadas. Um líder soberbo prioriza a construção de monumentos, obras faraônicas ou projetos inúteis que servem apenas para alimentar seu legado pessoal, enquanto problemas urgentes, como saúde, educação e segurança, são negligenciados. Governos soberbos veem o poder como um símbolo de grandiosidade, e não como uma responsabilidade de servir. Os custos desse desvio são altos: recursos são desperdiçados, a pobreza é perpetuada e a desigualdade social aumenta.

Esse pecado capital também afeta a cultura política de uma nação. Líderes arrogantes criam um ambiente de medo e servilismo entre seus subordinados, eliminando qualquer espaço para a crítica construtiva ou o debate aberto. A ditadura de Benito Mussolini, na Itália, ilustra como a soberba pode corroer a administração pública: ministros e conselheiros, temendo represálias, optavam por alimentar o ego do ditador em vez de apontar erros e apresentar soluções. Esse cenário se repete em diversas esferas de poder ao redor do mundo, revelando como a soberba promove a estagnação e impede o progresso.

Para a sociedade, os efeitos da soberba no poder são devastadores. A confiança no sistema político é abalada, o senso de justiça desaparece e o ciclo de apatia se intensifica. O eleitorado, percebendo a desconexão entre líderes e povo, se distancia do processo democrático, criando uma sociedade cética e alienada. É nesse vazio de liderança ética que populismos e extremismos encontram espaço para florescer, explorando o descrédito dos governados em relação às suas autoridades. A soberba, portanto, não apenas destrói líderes, mas também enfraquece os pilares de um governo justo e funcional.

Por fim, a soberba no poder nos serve como um alerta constante: o verdadeiro líder não é aquele que se enxerga como superior, mas aquele que permanece consciente de suas limitações e responsabilidades. A humildade, por mais rara que seja no meio político, é a única antítese capaz de neutralizar os efeitos destrutivos desse pecado capital. Somente líderes dispostos a ouvir, a dialogar e a servir com integridade serão capazes de evitar as armadilhas da soberba e de construir um legado que beneficie, verdadeiramente, a sociedade que representam.

 

Fonte: OS SETE PECADOS CAPITAIS E A POLÍTICA (Sena, Wellington. 2024 – Amazon)