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Pedal e Morte: A Luta por Espaço nas ruas de João Pessoa

Prof. Wellington Sena

 

João Pessoa, conhecida por suas belas paisagens e praias paradisíacas, enfrenta um grave problema de mobilidade urbana: o aumento alarmante de atropelamentos de ciclistas em suas vias. A tragédia mais recente, ocorrida em 9 de janeiro de 2025, resultou na morte de um ciclista que havia sido atropelado na capital paraibana e reacendeu o debate sobre a convivência entre motoristas e ciclistas em uma cidade que parece não estar preparada para garantir segurança a quem opta pela bicicleta como meio de transporte ou lazer.

O acidente ocorreu em uma região movimentada e chamou atenção pelas circunstâncias: um condutor sem habilitação dirigia o veículo que atingiu a vítima. Apesar da gravidade do ocorrido, observa-se que casos como este com frequência resultam em penalidades brandas, gerando um sentimento de impunidade e revolta. A família e os amigos da vítima, assim como integrantes de grupos de ciclistas, clamam por justiça e medidas efetivas para evitar novas mortes.

O cenário nas ruas de João Pessoa é preocupante. A cidade, que cresceu de forma acelerada nas últimas décadas, não acompanhou esse desenvolvimento com um planejamento urbano adequado. Ciclovias desconectadas, falta de sinalização e infraestrutura deficiente tornam o deslocamento de ciclistas um ato de coragem. Em muitos trechos, os espaços destinados à bicicleta são inexistentes ou ocupados por veículos, intensificando a disputa desigual por espaço com automóveis.

Particularmente, como policial rodoviário há 20 anos, eu defendo uma teoria: “Dirigir não é um direito absoluto, mas uma concessão do Estado, passível de fiscalização e restrições no período de validade”. Esse ponto levanta uma questão fundamental: muitos condutores tratam a habilitação como uma permissão vitalícia, ignorando que ela é condicionada ao cumprimento das leis de trânsito. Quando motoristas não habilitados cometem crimes culposos, como o atropelamento de ciclistas, a questão da punição torna-se ainda mais complexa e polêmica.

As penalidades aplicadas em casos de crime culposo, em que não há a intenção de matar, são consideradas brandas por muitos juristas e familiares das vítimas. Em geral, os infratores respondem em liberdade e podem ser punidos com penas alternativas, como a prestação de serviço comunitário. Para as famílias, isso é insuficiente diante da perda irreparável de uma vida. Cabe ao legislador federal revisar estes ditames punitivos, sob pena de acidentes como estes se perpetuarem, mudando apenas as vítimas.

Movimentos de ciclistas de João Pessoa vêm organizando manifestações e campanhas de conscientização, pedindo não apenas melhorias na infraestrutura urbana, mas também um endurecimento nas penalidades para motoristas infratores. Para eles, a ideia de que o “erro humano” deve ser tratado com complacência é um equívoco. “Se um motorista não tem responsabilidade suficiente para seguir as leis, ele não deve estar ao volante”, defendeu um dos organizadores do protesto.

A falta de educação no trânsito também é um fator agravante. Muitos condutores desconhecem ou desrespeitam regras básicas, como a obrigatoriedade de manter uma distância segura de 1,5 metro ao ultrapassar ciclistas. Campanhas educativas promovidas por órgãos de trânsito são pontuais e, muitas vezes, não alcançam a população de forma eficaz.

Outro ponto importante é a fiscalização. Dados recentes mostram que, em João Pessoa, o número de fiscalizações de infrações relacionadas a comportamento de risco no trânsito é baixo, o que encoraja condutas imprudentes. Sem fiscalização constante, muitos motoristas sentem-se “blindados” e seguem desrespeitando as regras, acreditando na impunidade.

Enquanto o debate sobre mobilidade segue sem solução, as ruas da capital paraibana se tornam palco de um drama humano crescente. Para ciclistas que utilizam a bicicleta como transporte, exercício ou lazer, a experiência de pedalar está se transformando em um ato permeado pelo medo. É comum ouvir relatos de pessoas que deixaram de utilizar a bicicleta devido à sensação constante de vulnerabilidade.

Especialistas defendem uma abordagem integrada para resolver o problema. Isso inclui o aumento da fiscalização, penas mais rigorosas, melhoria da infraestrutura urbana e investimentos em campanhas permanentes de conscientização. Sem um plano de ação eficaz e coordenado, o ciclo de tragédias continuará se repetindo.

A tragédia do ciclista vitimado em 9 de janeiro é um alerta para todos: motoristas, ciclistas e autoridades públicas. É necessário rever prioridades e transformar as vias urbanas em espaços de convivência harmoniosa, onde todos possam circular em segurança.

A vida no trânsito não pode ser tratada com desdém ou negligência. Enxergar o ato de dirigir como um privilégio temporário e condicionado ao cumprimento das regras é um passo essencial para construir uma cultura de paz e respeito nas ruas de João Pessoa. A prevenção de novas tragédias passa pela consciência coletiva de que cada escolha ao volante pode salvar ou tirar vidas.