João Trindade – Advogado
Vivemos num clima de total insegurança no Brasil, mesmo estando dentro de casa. Isso nos obriga a aprimorarmos, cada vez mais, os meios e métodos de defesa, incluindo-se os sistemas modernos. De modo que o que antes era apenas uma proteção com cacos de vidro no muro, para evitar a entrada daquele “ladrão de galinha” chegou à era de métodos sofisticados, como, por exemplo, cercas elétricas; ou, em casos mais radicais, armas colocadas como armadilhas em locais dentro da casa; sobretudo, em jardins.
Dá-se o nome de offendícula a todo e qualquer aparato de defesa da propriedade, para nos dar maior segurança. É o caso de cacos de vidro no muro, ganchos, concertinas, cerca elétrica, entre outros.
A questão crucial é:
O uso de offendícula é realmente um meio de legítima defesa e, portanto, excludente de ilicitude? E até que ponto isso pode ser considerado, uma vez que há a premeditação?
Para dois grandes juristas: Nélson Hungria e Damásio Jesus a offendícula é uma forma de legítima defesa, uma vez que, segundo eles, a proteção só entra em funcionamento quando há injusta agressão, opinião com a qual não concordam Mirabete e Aníbal Bruno. Segundo eles, a offendícula não pode ser chamada tecnicamente de legítima defesa, mas sim de exercício regular de direito.
Qualquer que seja a tese escolhida, cujo resultado é o mesmo para ambas, persiste a seguinte indagação, já feita por mim no início do texto: Qual o limite do uso desses meios? Até que grau pode ser considerado legítima defesa ou exercício regular de direito?
Por óbvio, o artigo 23 do Código penal prevê, no parágrafo único, punição para qualquer excesso: doloso (praticado com intenção) ou culposo (praticado sem intenção).
Ao exercer o direito de instalar a offendícula na propriedade é necessário que se faça com moderação. Deve haver, evidentemente, aviso nas cercas elétricas e a voltagem estar de acordo com o permitido por lei. O excesso caracteriza crime, como, no meu entendimento, é o caso de uma pessoa colocar uma arma de fogo oculta, que dispara mediante dispositivo caso acionado (exemplo de Nélson Hungria). Nos casos de excesso, a pessoa responsável pela offendícula, o dono da propriedade, é o agente do crime.
Uma questão fundamental ao se analisar esse tipo de proteção é a possível lesão a terceiros de boa-fé. Nesse caso, é necessário observar se no momento da instalação houve moderação; se há placas de aviso, bem visíveis, alertando sobre o perigo. Caso o proprietário tenha se cercado de todo o cuidado e usado a moderação e, ainda assim, alguém de boa-fé seja vítima, teremos a chamada legítima defesa putativa.
Deve-se ressaltar, no entanto, que em havendo camuflagem na proteção ou, no caso especifico das cercas elétricas, a voltagem estiver acima do permitido, o proprietário responderá pelo crime.
Devemos, sim, proteger nossa propriedade, mas respeitando a vida e o direito alheios.