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Operação Carro-Pipa: Uma indústria ultrapassada que escraviza o Nordeste Brasileiro

 

Por Wellington Sena

A Operação Carro-Pipa, que deveria ser uma solução emergencial para a seca no Nordeste, tornou-se, ao longo das décadas, um símbolo da perpetuação de políticas arcaicas e interesses escusos. Enquanto países enfrentam a escassez hídrica com tecnologias inovadoras, como irrigação inteligente e energias renováveis, o Brasil insiste em manter um sistema que não apenas falha em oferecer uma solução definitiva, mas também alimenta um ciclo vicioso de dependência e exploração política.

Criada em 1998 para levar água potável às populações mais afetadas pela seca no semiárido, a Operação Carro-Pipa é coordenada pelo Exército Brasileiro em parceria com o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional. Hoje, a operação atende a mais de 1,5 milhão de pessoas em 34 mil cisternas, sendo financiada por recursos públicos que superam R$ 1 bilhão anuais. Apesar da aparente relevância social, o programa não resolve os problemas estruturais da seca, tornando-se uma medida paliativa que se arrasta por mais de duas décadas.

O custo elevado e a ineficiência do sistema são alvo de constantes críticas. Cada caminhão-pipa realiza viagens frequentes para reabastecer as cisternas, em um processo desgastante que depende de estradas precárias e transporte caro. Estudos apontam que o valor gasto com a operação seria suficiente para financiar soluções definitivas, como a construção de barragens, adutoras e sistemas de dessalinização. No entanto, essas iniciativas recebem investimentos insignificantes, deixando milhões de pessoas à mercê de um sistema ultrapassado.

Enquanto o Nordeste se mantém refém desse método emergencial, países como Israel e Austrália enfrentaram desafios semelhantes com estratégias modernas. Israel, por exemplo, transformou desertos em áreas produtivas por meio de irrigação por gotejamento e dessalinização em larga escala, utilizando energias renováveis para reduzir custos. A Austrália implementou sistemas integrados de coleta e reaproveitamento de água, minimizando o impacto da seca em regiões áridas. Essas soluções demonstram que a superação da escassez hídrica é possível com planejamento estratégico e tecnologia.

No Brasil, os avanços tecnológicos disponíveis são subutilizados. Apesar do potencial da energia eólica no Nordeste — uma das regiões com maior capacidade de geração desse tipo de energia no mundo —, não há esforços significativos para integrá-la a projetos de irrigação e abastecimento hídrico. A falta de vontade política e de investimentos estruturais mantém o semiárido brasileiro como um cenário de atraso e exploração.

A “indústria da seca” é uma expressão frequentemente usada para descrever os interesses econômicos e políticos que se beneficiam dessa realidade. Contratos milionários são firmados com transportadoras e empresas que operam os carros-pipa, criando um círculo de dependência que favorece poucos em detrimento de muitos. Esses contratos, muitas vezes, são alvo de investigações sobre superfaturamento e desvio de verbas, como apontado em auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU). Assim, a Operação Carro-Pipa se transforma em um negócio lucrativo para empresários e políticos locais.

Além do aspecto financeiro, há também o uso político da seca. Manter comunidades vulneráveis dependentes de carros-pipa é uma estratégia que reforça o assistencialismo e cria uma relação de subordinação entre a população e os gestores públicos. Em vez de promover autonomia e desenvolvimento, essas políticas perpetuam o atraso e garantem votos em troca de promessas de abastecimento temporário.

Casos de corrupção envolvendo a Operação Carro-Pipa reforçam as críticas. Em 2021, denúncias de desvios de recursos no estado do Ceará chamaram a atenção para o problema. Caminhões-pipa contratados para distribuir água em regiões rurais foram flagrados desviando parte da carga para outras finalidades, enquanto comunidades permaneciam desabastecidas. Essas irregularidades destacam a fragilidade da fiscalização e a necessidade de maior transparência na gestão do programa.

O contraste entre os investimentos em tecnologias modernas e a manutenção de práticas obsoletas é alarmante. Enquanto o Brasil segue destinando bilhões a uma solução emergencial que perpetua a vulnerabilidade do semiárido, países mais pobres que enfrentam desafios semelhantes implementam sistemas de irrigação e reaproveitamento de água com custo-benefício muito superior. A insistência em métodos ultrapassados revela uma falta de compromisso com o futuro das comunidades nordestinas.

O Programa Água Doce, uma iniciativa federal que promove a dessalinização de águas subterrâneas salobras, é um exemplo promissor, mas subfinanciado. Mesmo apresentando resultados significativos em pequenas comunidades, o programa carece de recursos para expandir sua abrangência e atender à demanda crescente do semiárido. A priorização de programas emergenciais em detrimento de iniciativas estruturais evidencia a ausência de planejamento de longo prazo.

Além das perdas econômicas, há um impacto social significativo. A dependência de carros-pipa afeta a dignidade das populações mais vulneráveis, que frequentemente enfrentam longas esperas e irregularidades no abastecimento. Crianças e adolescentes, muitas vezes, deixam de frequentar a escola para buscar água, perpetuando o ciclo de pobreza e exclusão social.

Para romper com esse paradigma, é necessário priorizar investimentos em infraestrutura hídrica permanente e adotar tecnologias modernas. A integração de energias renováveis, como a solar e a eólica, a projetos de irrigação e abastecimento é um caminho viável e sustentável. Além disso, é fundamental promover a conscientização sobre o uso racional da água e incentivar a participação da sociedade civil na fiscalização e na formulação de políticas públicas.

A Operação Carro-Pipa, em sua forma atual, é um símbolo da ineficiência e do descaso com o semiárido brasileiro. Sua perpetuação como solução principal para a seca no Nordeste não apenas limita o desenvolvimento da região, mas também representa um desperdício de recursos públicos e um retrocesso frente às possibilidades tecnológicas disponíveis. O futuro do semiárido depende de mudanças estruturais urgentes, que priorizem a sustentabilidade e a autonomia das comunidades nordestinas.

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