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Democracia cíclica no Brasil: Desafios e descontinuidade de projetos

 

A democracia brasileira, consolidada após o fim da ditadura militar em 1985, tem sido um exemplo clássico do que estudiosos chamam de “democracia cíclica”. Este termo descreve a alternância de poder entre diferentes partidos e ideologias ao longo dos anos, um fenômeno comum em países democráticos. Embora essa alternância seja essencial para a renovação das políticas e a representação plural de diferentes segmentos da sociedade, ela também traz consigo desafios significativos, especialmente no que diz respeito à continuidade de projetos de longo prazo do poder Executivo.

A cada quatro anos, com a eleição de novos prefeitos e vereadores, observa-se no Brasil uma tendência de descontinuidade em projetos iniciados por governos anteriores. Infraestruturas que exigem anos para serem concluídas, como grandes obras de transporte e energia, frequentemente são interrompidas ou reavaliadas quando há uma troca de comando. Políticas sociais e educacionais também sofrem com essas mudanças, muitas vezes sendo reformuladas ou abandonadas, dependendo da orientação política do novo governo.

Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado um fenômeno conhecido como “democracia cíclica”, caracterizado pela alternância constante de poder nas esferas municipais. Este ciclo, impulsionado por eleições regulares e o sistema democrático de governo, traz à tona um desafio significativo: a descontinuidade de projetos e políticas públicas nas prefeituras ao longo do tempo.

O Cenário Brasileiro

O Brasil é uma das maiores democracias do mundo, com mais de 5.500 municípios, cada um com autonomia para eleger seu prefeito a cada quatro anos. Esta alternância é vista como um pilar da democracia, permitindo que diferentes visões e propostas sejam debatidas e implementadas. Contudo, essa constante troca de liderança pode resultar em uma fragmentação administrativa, onde projetos iniciados por uma gestão não são concluídos ou sofrem alterações substanciais nas administrações subsequentes.

Por exemplo, planos de desenvolvimento urbano, programas de saúde e educação, ou iniciativas de infraestrutura muitas vezes são interrompidos, reestruturados ou mesmo abandonados quando um novo prefeito assume o cargo. Essa situação não só afeta a eficiência e a continuidade das políticas públicas, mas também gera desperdício de recursos e frustra a população que vê seus anseios por melhorias sendo postergados indefinidamente.

Comparação com Regimes de Partido Único

Contrastando com a experiência brasileira, regimes de partido único, como o da China, apresentam uma abordagem completamente diferente em termos de continuidade de projetos e políticas públicas. Na China, onde o Partido Comunista detém o poder de forma contínua, os planos de governo, especialmente em níveis locais, são implementados com uma visão de longo prazo. A ausência de alternância política permite que projetos de infraestrutura, urbanização e desenvolvimento econômico sejam executados de maneira consistente ao longo de décadas.

Um exemplo notável é o Plano Quinquenal da China, que estabelece metas econômicas e sociais que são seguidas rigorosamente ao longo de cinco anos, com ajustes feitos para alinhar-se a um plano estratégico maior, que pode durar até 20 ou 30 anos. Esta estabilidade permite um progresso contínuo e a conclusão de grandes empreendimentos, como rodovias, redes ferroviárias e cidades planejadas, sem as interrupções típicas que ocorrem em democracias com alternância frequente de poder.

Efeitos Colaterais da Descontinuidade no Brasil

A descontinuidade dos projetos no Brasil tem efeitos colaterais significativos. A rotatividade nas prefeituras gera incerteza na gestão pública e dificulta o planejamento de longo prazo, essencial para o desenvolvimento sustentável das cidades. Os cidadãos acabam sendo prejudicados pela ineficiência administrativa, enquanto gestores públicos se veem pressionados a apresentar resultados em curto prazo, muitas vezes priorizando projetos de impacto imediato em detrimento de investimentos estruturantes.

Além disso, a falta de continuidade contribui para um ciclo vicioso de subdesenvolvimento em algumas regiões, onde prefeitos se veem obrigados a “reinventar a roda” a cada nova gestão, ao invés de consolidar e aprimorar as iniciativas já em andamento. Esse cenário é particularmente evidente em áreas mais pobres, onde os desafios são maiores e os recursos, mais escassos.

Conclusão

Embora a democracia cíclica brasileira represente um avanço em termos de participação popular e alternância de poder, ela também traz desafios significativos em relação à continuidade das políticas públicas. A comparação com regimes de partido único, como o chinês, destaca a eficiência que a estabilidade política pode proporcionar na execução de projetos de longo prazo. No entanto, é preciso considerar que, enquanto a alternância de poder é fundamental para a saúde de uma democracia, é igualmente crucial encontrar mecanismos que assegurem a continuidade das políticas públicas essenciais, independentemente de mudanças no comando das prefeituras. O equilíbrio entre a renovação política e a sustentabilidade administrativa é o grande desafio para o futuro das cidades brasileiras.

Prof. Wellington Sena
wellington.sena@outlook.com